Quando uma gigante do mercado como a Alpargatas (dona da marca Havaianas) decide utilizar sua enorme plataforma de marketing para veicular mensagens com viés político ou ideológico em uma campanha de final de ano, ela não está apenas “tendo uma opinião”; ela está jogando com o patrimônio dos acionistas e testando a elasticidade de sua marca. O recente episódio, que gerou revolta nas redes sociais, serve como um estudo de caso clássico sobre como alienar a própria base de consumidores e os riscos financeiros intrínsecos ao que o mercado americano chama de “Go Woke, Go Broke”.
Como especialista em finanças e tributação, é fundamental analisar este cenário para além do burburinho do Twitter/X. O impacto imediato de uma campanha rejeitada pelo público é a queda nas vendas. No Brasil, isso gera um efeito dominó na economia real muito mais severo do que nos Estados Unidos. Por que? Devido à nossa estrutura de cadeia de suprimentos e tributação sobre o consumo.
O Impacto Econômico e a Queda de Receita
Quando a Havaianas perde milhões de clientes por um posicionamento equivocado, a primeira linha do balanço a sofrer é a Receita Bruta. No Brasil, diferentemente dos EUA, a carga tributária sobre o consumo é altíssima e embutida no preço. Estamos falando de IPI, PIS, COFINS e, principalmente, o ICMS.
Se a venda de chinelos cai drasticamente devido a um boicote, o Estado brasileiro perde arrecadação imediata. O Brasil depende excessivamente de tributos indiretos (sobre consumo/produção). Portanto, uma estratégia de marketing desastrosa de uma líder de mercado não afeta apenas o lucro da empresa (e seus dividendos, impactando investidores de ALPA4 na B3), mas reduz o repasse tributário que financia serviços públicos. É um ciclo de destruição de valor que atinge desde o investidor pessoa física até os cofres públicos estaduais.
Comparativo Tributário: Brasil vs. Estados Unidos
Aqui reside a grande diferença técnica e cultural que magnifica o erro da Havaianas quando comparado a casos similares nos EUA (como o da Bud Light).
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Dedutibilidade e Risco Fiscal:
Nos Estados Unidos, as despesas de marketing são dedutíveis do imposto de renda corporativo (federal e estadual). No Brasil, sob o regime do Lucro Real (onde a Alpargatas se enquadra), essas despesas também são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
A ironia fiscal: Tanto no Brasil quanto nos EUA, o governo acaba “subsidiando” cerca de 34% (no Brasil) ou 21% (nos EUA, taxa federal) do custo da campanha fracassada. Ou seja, quando a empresa gasta milhões para fazer uma propaganda que o público odeia, o contribuinte, indiretamente, paga parte dessa conta através da redução do imposto que a empresa pagará sobre seu lucro (que será menor). -
Responsabilidade Fiduciária e Cultura de Mercado:
Nos EUA, o sistema jurídico e financeiro é implacável com a quebra do “fiduciary duty” (dever fiduciário). Acionistas americanos processam diretorias que priorizam agendas políticas em detrimento do lucro (exemplo: processos contra a Disney e Target). O sistema tributário americano, focado mais na renda e no ganho de capital, incentiva a maximização do lucro. Se uma empresa destrói valor por política, ela é punida rapidamente pelo mercado e pelo sistema legal.
No Brasil, o ambiente corporativo é historicamente mais protegido e a governança corporativa, embora tenha evoluído com o Novo Mercado, ainda vê pouca punição para executivos que utilizam o caixa da empresa para sinalização de virtude política. No entanto, o bolso do consumidor brasileiro tem se mostrado o juiz final.
O Custo do “Risco de Imagem” no Custo Brasil
Financeiramente, recuperar uma marca arranhada custa caro. A Havaianas terá que investir pesado em novas campanhas para reconquistar o público perdido, aumentando seu OPEX (Despesas Operacionais) em um momento de juros altos (Selic elevada). Isso pressiona as margens de lucro.
Nos EUA, a flexibilidade do mercado de trabalho e a menor burocracia permitem que empresas se reestruturem rápido após crises de imagem. No Brasil, a rigidez trabalhista e o cipoal tributário fazem com que a queda de faturamento da Havaianas possa resultar em demissões na indústria (chão de fábrica), gerando passivos trabalhistas e custos de rescisão que drenam ainda mais o caixa da empresa.
Conclusão
A lição que fica para a economia brasileira é clara: em um país com a complexidade tributária e a fragilidade econômica do Brasil, empresas líderes não podem se dar ao luxo de dividir seus consumidores. O “Custo da Lacração” no Brasil é tributado na fonte, com ágio de perda de mercado e juros compostos de rejeição popular. Enquanto nos EUA o mercado pune e corrige via valor de ação e processos, no Brasil o impacto é sistêmico, reduzindo a arrecadação do Estado e colocando em risco empregos em uma cadeia produtiva que já luta para sobreviver ao Custo Brasil.
Havaianas nos ensinou, da pior forma, que chinelo não tem partido, e que o único viés que uma S.A. deve ter é o da geração de valor para seus acionistas e satisfação de seus clientes.

